À primeira vista, parece um brinquedo: uma lousa quadrangular com 11 botões coloridos, cada um decorado com um ícone: lua, estrela, relâmpago… Letras, números e símbolos ao redor dos botões ajudam a guiar os usuários. Conectado por um cabo USB, o acessório permite que amputados e pessoas com paralisia cerebral, movimentos limitados ou baixa coordenação motora usem smartphones, tablets e computadores.
O objeto de aspecto lúdico é o Teclado Inteligente Multifuncional, ou simplesmente TiX. Para quem tem deficiências ainda mais severas, o teclado pode ser usado por meio de um óculos especial, o a-blinX, que capta o piscar dos olhos. Por trás dos produtos está a TiX, empresa mineira de tecnologia assistiva. CEO e fundador, Adriano Rabelo Assis, 37, explica:
“Todas essas ferramentas foram criadas para permitir que pessoas com vários tipos de deficiência, desde as físicas até as intelectuais, possam se comunicar com total autonomia”
A TiX vem colecionando reconhecimentos. Em maio (ainda com o nome antigo, Geraes), emplacou no ranking 100 Startups to Watch, da PEGN. Em julho, ficou em segundo lugar (entre 600 candidatos) no Programa FedEx para Pequenas Empresas, levando R$ 40 mil e acesso a mentorias. E, em agosto, a TiX arrebatou o desafio Sebrae Like a Boss, durante o Startup Summit, em Florianópolis, garantindo lugar na final em Macau, na China.
A sequência, que já vinha boa, ganhou um incremento na semana passada, quando a TiX ficou em segundo lugar na Amcham Arena (competição promovida pela Câmara de Comércio dos EUA, em Belo Horizonte) e, no mesmo dia — quarta, 25 –, foi eleita a startup mais inovadora da América Latina pelo Innovation Awards Latam, liderando uma lista de 100 empresas (confira o ranking completo).
O PRIMEIRO PRODUTO AJUDAVA DEFICIENTES VISUAIS A TOMAR O ÔNIBUS
A trajetória da TiX, ex-Geraes, nem sempre foi tão laureada. Formado em Engenharia Eletrônica pela Universidade Federal de Minas Gerais, Adriano precisou gastar muita saliva e sola de sapato. Mas não desanimou:
“Desde que fui para a rua testar nosso primeiro invento com os cegos, vi que ajudar pessoas com deficiência e trazer liberdade e autonomia era um propósito maior do que a vontade de desistir”
Era 2009 quando Adriano fundou a Geraes Tecnologia Assistiva junto com Tiago Buccini, seu colega de UFMG, e o professor Julio Cezar David de Melo. Fruto de um projeto acadêmico, o “primeiro invento” (com o nome pouco amistoso de DPS 2000) era um dispositivo com alarme sonoro para ajudar deficientes visuais a tomar o ônibus correto, graças a um receptor instalado no veículo.
Após um contato em uma feira profissional, em 2010, Adriano e os sócios chegaram a fechar uma venda do DPS 2000 para a prefeitura de Jaú (SP). A sustentabilidade financeira, porém, ainda era uma miragem. Assim, como dispositivo debaixo do braço, o empreendedor batia perna por eventos país afora, tentando vender sua solução para deficientes visuais.
NUMA FEIRA, ADRIANO FEZ UM NOVO AMIGO — E O NEGÓCIO MUDOU DE RUMO
Em 2013, Adriano foi a São Paulo participar da Reatech, feira de tecnologias para reabilitação. Lá, conheceu o cientista da computação Gleison Fernandes de Faria. Mineiro de Itaúna (a 80 km de BH), Gleison nasceu com paralisia cerebral e problemas de coordenação motora fina, fala e equilíbrio do corpo. A condição não o impediu de chegar à universidade.
Usando um capacete adaptado com uma ponteira que lhe permitia usar o computador, Gleison desenvolveu durante a faculdade o Teclado Iconográfico Combinatório (TIC), uma ferramenta para pessoas com limitações funcionais que permitia a digitação de qualquer letra, número ou comando de um teclado convencional usando apenas nove botões, de forma combinada.
Desde 2006, ele vinha apresentando produto em feiras e congressos, mas sem conseguir viabilizar comercialmente o invento. Ligados por uma empatia mútua e imediata, os dois novos amigos resolveram trabalhar juntos para aprimorar o protótipo. Na época, Adriano vinha com dificuldades de fazer a Geraes avançar, Tiago já tinha deixado a empresa e o professor Julio estava focado nas aulas da faculdade.
A SEGUNDA CHANCE VEIO AO INSCREVER O PRIMEIRO PROJETO NO PRÊMIO FINEP
Com design revisto e funcionalidades ampliadas, o TIC foi relançado na Reatech em 2014. Repercutiu bem, animou todos os envolvidos, mas não havia dinheiro para investir na fabricação e venda dos equipamentos. Adriana conta que chegou a brincar que só um “milagre” permitiria avançar com o projeto.
“Um dia, o Gleison me mostrou um processo de inscrição para o Prêmio Finep. Entre várias categorias, havia a de Tecnologia Assistiva. Mas um dos pré-requisitos era apresentar um produto já comercializado há pelo menos três anos”
O TIC não se enquadrava no regulamento — mas o DPS 2000, sim. Adriano inscreveu o projeto e, em outubro daquele ano, recebeu a notícia: tinha ficado em segundo lugar. Assim, foi ao Rio de Janeiro para receber o prêmio e um cheque de R$ 100 mil.
A grana foi o pontapé inicial para uma nova chance. Dos R$ 100 mil, R$ 35 mil foram usados para quitar dívidas da Geraes e os outros R$ 65 mil, investidos no projeto TIC.
“Contratei pessoas dispostas a crescer. Eram estagiários de engenharia da UFMG que estão comigo até hoje”, diz Adriano. O projeto foi incrementado, ganhou botões, função mouse e o novo nome do teclado (que em 2019 rebatizaria a empresa).
Com os investimentos, o dinheiro acabou. Em 2015, a startup começou o ano com zero em caixa — e 20 unidades “artesanais” do TiX para serem vendidas. “Era ‘ou vai, ou racha’”, diz.
PARA NÃO ACUMULAR DÍVIDAS, ERA PRECISO AUMENTAR O PREÇO DO PRODUTO
Na Reatech, em 2014, Adriano tinha conhecido a terapeuta ocupacional e empreendedora Maria de Mello. No fim daquele ano, Maria embarcou na sociedade.
“Ela me ajudou muito a entender o mercado e a apresentar o produto para profissionais da área que poderiam revender o TiX para seus contatos e serem comissionados”, diz Adriano. “A contribuição dela foi importantíssima para moldar a maneira humana como entendemos e lidamos com as pessoas com deficiência e seus familiares.”
O preço de custo do teclado girava em torno de R$ 700. O produto era vendido a R$ 1 800. Pouco, na verdade:
“Fazendo a conta, percebemos que, para a empresa não acumular dívidas com encargos e impostos, o preço tinha de ser 2 500 reais. Se já estava difícil vender, ficou pior”
Adriano bateu perna visitando escolas, Apaes, congressos sobre acessibilidade. “Aprendi muito sobre o mercado e percebi que poderia vender a proposta de valor do equipamento, pegar um adiantamento e fabricar o produto para depois entregar.”
Maria deixou a sociedade no fim de 2015 para se dedicar à sua empresa de acessibilidade, a TechnoCare. Antes, apresentou Adriano ao empresário José Rubinger. Inicialmente, José atuaria como um representante comercial. Mas gostou da ideia e resolver comprar unidades a preço de custo para revender a regiões onde tinha contatos, inclusive aos Estados Unidos.
DE OLHO NA INTERNACIONALIZAÇÃO, ELES CRIARAM UMA EMPRESA NOS EUA
Em 2017, a empresa participou de dois programas de aceleração: Fiemg Lab e Seed Minas. Os programas turbinaram a divulgação e o networking; o Seed ainda injetou R$ 80 mil. No fim daquele ano, a startup conseguiu vender 45 conjuntos (que inclui teclado, óculos, acessórios e licenças) para a prefeitura do Recife, que pagou R$ 450 mil pelo pacote, incluindo o treinamento necessário.
Àquela altura, a empresa — ainda chamada de Geraes — começou a rodar no azul, Rubinger virou diretor comercial e começou a articular voos mais altos. Em sociedade com um amigo seu, americano, eles abriram em 2018 uma empresa nos EUA, a Key2Enable. Foi uma decisão estratégica para alavancar a internacionalização.
“Temos um acordo comercial cruzado, em que a Key2Enable é responsável por todos os negócios que tem a ver com instituições e governo fora do Brasil.”
A KEY2ENABLE HOJE FAZ PARTE DO PORTFÓLIO DA SINGULARITY UNIVERSITY
Adriano conta quue a Key2Enable se inscreveu para participar do portfólio de startups da Singularity University e, após um processo de seleção, ganhou a chancela de ser reconhecida como uma das empresas capazes de impactar 1 bilhão de pessoas até 2030. “Fizemos uma incubação de dois meses em 2018, e passamos a contar com todo o apoio da Singularity em termos de relações públicas e networking”, diz Adriano.
Com a Key2Enable, os empreendedores também participaram da EdTech Innovation Startup Competition 2018, disputando entre 800 projetos de 58 países. A startup conquistou uma vaga para participar da final com 6 concorrentes. O pitch final rolou em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. Adriano lembra:
“Foi lá que eu percebi que tinha me tornado um empreendedor de verdade. Depois de dez anos de luta, aquela era uma data cabalística. Tudo que eu não entendia passou a fazer sentido. Voltei com o propósito fortalecido e ainda mais vontade de expandir o sonho”
A startup levou o prêmio de “Entrepreneur Hero”, incluindo 150 mil dólares e a oportunidade de ingressar no programa da aceleradora Krypto Labs para expor a tecnologia e criar uma frente de negócios nos Emirados Árabes Unidos.
PARA IMPACTAR MAIS GENTE, A TIX CRIOU UM NOVO MODELO DE ASSINATURA
De volta ao Brasil, a Geraes faturou R$ 1,4 milhão em 2018, sendo a maior parte em vendas para governos, secretarias públicas e Apaes. A troca de nome para TiX, em maio de 2019, foi seguida por um desdobramento do modelo de negócios. De venda de hardware para governos e instituições públicas e privadas, a startup criou um novo formato, paralelo, de acessibilidade por assinatura. “Percebemos que o nosso maior valor era o serviço prestado e não o produto vendido”, diz Adriano.
O modelo começou em junho e tem por ora 50 assinantes no país, com projeção de chegar a 200 até o fim do ano. A partir de R$ 165, o usuário adquire serviço de acompanhamento que permite tirar dúvidas por WhatsApp ou chamada de vídeo. Nesse formato, o faturamento por enquanto é de apenas R$ 10 mil mensais.
O objetivo com o plano por assinatura, porém, é ousado: atingir um público muito maior do que as 5 mil pessoas já impactadas com o teclado. Segundo uma pesquisa recente do IBGE, 6,7% dos brasileiros — cerca de 14 milhões de pessoas — têm alguma deficiência. No mundo inteiro, esse número chega a 1 bilhão de indivíduos com diferentes limitações, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
O desafio agora é crescer rapidamente sem perder o controle. “Vamos continuar investindo na validação do nosso modelo de negócio focado nos planos de assinatura, para que até o fim de 2019 esteja tracionando plenamente no Brasil.”