A psicóloga Suely Katz transformou a dor de perder um filho com paralisia cerebral em uma ONG que dá esperança e oportunidade para crianças e jovens com a mesma condição.
O filho de Suely viveu por 24 anos e, mesmo pertencendo a uma família com recursos financeiros para matriculá-lo em uma escola particular, nunca foi aceito em nenhum colégio, por ter uma deficiência de grau severo.
A partir da experiência com o próprio filho, Suely percebeu os muitos desafios que as pessoas com paralisia cerebral enfrentam para ser incluídas na sociedade. Além disso, tomou consciência de como crianças e jovens de baixa renda, frequentemente, não têm acesso nem mesmo à reabilitação.
Para contribuir com a mudança dessa realidade, Suely criou a ONG Nosso Sonho, em 2007, para prestar serviços gratuitos no setor clínico e pedagógico a pessoas com paralisia cerebral (PC). Apesar das dificuldades em estruturar sua ONG no início, a psicóloga sempre soube que queria trabalhar com a comunicação alternativa.
A paralisia cerebral tem diferentes níveis e, em muitos casos, mesmo que a criança não fale ou ande, sua inteligência é preservada. Isso significa que ela pode aprender diversas coisas, incluindo ler e escrever.
Exemplo do Sistema PCS
Na Nosso Sonho, os atendidos são motivados a aprender a se comunicar de maneiras alternativas, como através do PCS, um dos sistemas simbólicos mais utilizados em todo o mundo, e que consiste em uma série de desenhos simples e claros, de fácil reconhecimento e combináveis para a formação de frases.
“Se a pessoa tem desejos, tem vontades, tem necessidades, tem ideias e não consegue expressar, então ela é uma alma aprisionada. Para mudar esse quadro, a comunicação alternativa é fundamental”, afirma Suely.
Para receber atendimento na ONG, a família da criança faz uma entrevista e a criança passa por uma triagem para verificar se ela tem o perfil que a instituição está preparada a assistir. Além da alfabetização, a entidade oferece oficinas de experiências como culinária, reciclagem, música e até aulas de teatro. Atualmente, são 45 atendidos.
* Revista Bem-Vindo A.Nó.S.
Com apoio e patrocínio da Construtora Tecnisa, os jovens atendidos pela Nosso Sonho criaram um informativo. Dois anos depois, o informativo se transformou no primeiro jornal no mundo produzido totalmente por pessoas com paralisia cerebral e chegou até a representar o Brasil no Congresso de Comunicação Alternativa em Barcelona.
Hoje a publicação Bem-Vindo A.Nó.S. é uma revista quadrimestral com uma equipe de oito repórteres, sendo quatro pagos pela Tecnisa e os outros quatro pela Havanna. O conteúdo da publicação gira em torno dos desafios e conquistas que envolvem as pessoas com deficiência. De acordo com o último Censo, 45,6 milhões de brasileiros, ou 23,9% da população, têm algum tipo de deficiência , seja ela visual, auditiva, motora e mental ou intelectual.
Além de promover mais inclusão no mercado de trabalho, a revista é um exemplo de representatividade, pois, com ela, os jovens puderam recuperar sua autoestima, ter a própria autonomia e quebrar paradigmas.
Parte da equipe da Revista Bem-Vindo A.Nó.S
Mario Victor, conhecido como Maito, tem 35 anos, é repórter e responsável pela coluna de gastronomia da revista e conta o quanto foi difícil conseguir uma colocação no mercado de trabalho: “Eu trabalho aqui desde 2007. Fiz 10 entrevistas de emprego em outras empresas e falavam que eu não me encaixava no perfil. Eu estava com a autoestima muito baixa e ficava chateado comigo mesmo”.
Jony da Costa, de 28 anos, é coordenador de equipe e repórter da revista. Ele também nunca tinha conseguido uma oportunidade profissional até entrar na Nosso Sonho. “É uma luta constante trazer credibilidade ao trabalho, tanto aqui, quanto nos projetos de fora. A pessoa olha muito a cadeira de rodas, a muleta ou qualquer outro tipo de aparelho que outra pessoa utilize. No primeiro momento fala ‘olha que bonitinho, que fofinho’, aí depois que ela lê a revista, percebe que é um trabalho sério”, conta.
A Lei de Cotas (n° 8.213/91) obriga empresas com mais de cem funcionários a preencherem de 2% a 5% de seus postos de trabalho com pessoas com deficiência ou reabilitadas. A lei representou um avanço na inclusão, mas com certas limitações, já que muitas empresas acabam contratando pessoas com deficiência apenas para preencher as cotas e não com a intenção de inclui-las.
“Você tem que adaptar a empresa, preparar a equipe. Não é chegar e colocar. Isso é inserir, mas você tem que incluir. É preciso olhar mais para o ser humano que está ali”, explica Suely Katz.
Fonte: http://observatorio3setor.org.br/carrossel/ong-transforma-jovens-com-paralisia-cerebral-em-reporteres/